
Depois desse post sobre o significado simbólico e psicológico por trás de O Rei Leão, você vai querer sentar com seu sobrinho e fingir que está assistindo por causa dele.
O Rei Leão
Esse longa é simplesmente repleto de arquétipos e, perceptivelmente – mesmo que inconscientemente -, influenciado pelo mito de Osíris do antigo Egito.
No filme, existe uma divergência entre dois irmãos. E já no nome começa o simbolismo: “Scar” que significa literalmente “cicatriz” em inglês, é um símbolo de que esse personagem tem uma “ferida antiga”, algo que ele carrega e que está visível, um tipo de ressentimento – ele é o “irmão mal”; e Mufasa, o rei, é o “irmão bom”. Esse motivo psicológico é encontrado tanto na bíblia (com Cain e Abel), quanto no mito citado anteriormente (com Osíris e Set).
A história bíblica todos já conhecem (irmãos, inveja, assassinato), por isso irei abrir um pouco do mito egípcio. Para que você perceba como, ou todos contam a mesma história com vestes culturais diferentes, ou possuem muitos dos mesmos arquétipos em contextos distintos.
O Mito de Osíris
Resumão: Osíris é o imperador/rei/bonzinho, e Set o irmão invejoso que queria o lugar dele. Numa celebração, Set arruma um jeito de Osiris entrar numa “arca” de ouro (caixão, rs) e o prende lá. Ele manda despedaçar o corpo um muitas partes e o espalha por todo o território.
Obs.: “irmão, inveja, assassinato…” esse padrão te lembra alguma coisa? Agora, vale ressaltar que o mito egípcio tem mais de 4 mil anos de idade.
Continuando: Ísis, esposa de Osíris, consegue achar os pedaços dele e os leva até Tote (ou Thoth), que o “ressuscita”. Ela, então, na forma de um pássaro, se relaciona com Osíris. Desse encontro nasce Hórus.
Depois disso, Osíris vai para o “submundo” e vira “juiz”, lá. Pesando o coração dos mortos contra uma pena.
Hórus e Simba
Hórus cresce afastado do reino, assim como Simba, que após a morte do pai, é manipulado, caçado e levado a fugir para o deserto. Ambos Hórus (filho de Osíris) e Simba (filho de Mufasa) são os heróis das suas respectivas histórias. Os dois são filhos de pais que foram mortos pelos irmãos invejosos de suas posições. Os dois crescem afastados e os dois voltam para lutar contra o tirano e tio. E os dois vencem.
Osíris e Mufasa
Osíris e Mufasa são símbolos da “estrutura social”. E ambos estão “cegos” para a tirania que está emergindo, representada por seus próprios irmãos – Set e Scar, respectivamente. Quando a estrutura cai – é despedaçada no caso do mito egípcio e morre no caso da animação -, a tirania se instaura.
Olho de Hórus
No desenho, essa “cegueira” (da estrutura social, de Mufasa) é representada pelo pássaro (símbolo de visão) falho – que não é capaz sequer de tomar conta da Nala e do Simba. Enquanto que no mito egípcio, a própria deusa Ísis se transforma em pássaro e seu filho com Osíris é representado com a cabeça de um falcão. O Olho de Hórus, símbolo que se encontra na pele de tanta gente, tatuado, é uma representação justamente de que esse filho nasce com aquilo que o pai não tinha. Assim como Simba consegue perceber no tio, depois de maduro, aquilo que o próprio pai não percebia (não queria acreditar que era verdade).
O Rei Leão contém outros aspectos fascinantes para além do paralelo com mitos antigos.
Hakuna Matata
Simba fica um tempo imerso naquele estado inconsequente e imaturo, que foi sintetizado genialmente por “hakuna matata” (“our problem-free philosophy ” – traduzindo livremente, “nossa filosofia que não envolve problemas). Mas o que a maior parte das pessoas não entende é que essa parte do longa é uma crítica a esse estado, e não uma elevação do mesmo.
Assim que Simba é introduzido no grupo, com Timão e Pumba, eles lixam as garras dele e o ensina a comer apenas insetos. Metáfora para “o tornar inofensivo” e “perder a agressividade”. Porém, uma atitude madura não é excluir essa parte da nossa personalidade, mas integrá-la. As garras são úteis, a agressividade é útil – sem ela simba nunca teria vencido Scar.
“É melhor ser um guerreiro no jardim do que um jardineiro na guerra.”
Aspectos Feminino e Masculino
É Nala que interrompe esse ciclo “adolescente”. Assim como no mito egípcio é Ísis que junta as partes de Osíris, e ela é o fator pássaro da equação que gera Hórus. Assim como Nala percebe/amadurece muito antes de Simba.
Mas ambas narrativas apontam para a necessidade de um equilíbrio entre os aspectos feminino e masculino da nossa psique. Indicam que aquilo que vence a tirania, aquilo que prospera, é uma união de ambos aspectos.
E lembrem, muitas dessas histórias são codificações no nível das ações de uma mensagem. As histórias são dramatizações das nossas ações e, dessa forma, a maneira mais eficiente para fazer alguém lembrar de algo (comprovadamente).
Então, tudo é metáfora, analogia, símbolo. O objetivo é justamente fazer sentido em mais de uma camada de análise, interpretação e entendimento.
Rafiki – Xamã
Como o xamã, o sábio (representado pelo Rafiki), que o atrai até uma experiência transcendente na qual Simba é confrontado com a própria imagem refletida na água. Mas Rafiki pede para ele olhar de novo (olhar mais fundo), e é quando vê a imagem de seu pai.
Obs.: a água é símbolo antiquíssimo do inconsciente – o que significa no contexto da cena que se você olhar com suficiente atenção, fundo na sua psique, você encontrará “a imagem do seu pai” ali (em você).
Depois disso ele vê o pai nas nuvens – experiência xamânica purinha -, e então sabe o que precisa fazer. Esse é o rito de passagem que ele vivencia. Símbolo de amadurecimento e transição para fase adulta. Ele assume sua responsabilidade enquanto quem é. O resto da história você já sabe.
Esses são alguns dos arquétipos e metáforas que compõem o significado simbólico e psicológico por trás de O Rei Leão.
Obs.: para notar tudo que falei aqui, veja o desenho original de 1994, não o filme recente de 2019.
por Rafael Jordão.
Para mais sobre símbolos e arquétipos, veja esse post sobre Jung.